sábado, 18 de dezembro de 2010

Sociedade e Cidadania… A Responsabilidade: filha de todos, a órfã que ninguém quer.



Sociedade e Cidadania… Afinando o tom que tem eclodido em artigos anteriores, este texto terá uma entoação mais pessoal e incisiva que as precedentes… O que, ainda assim, diga-se com franqueza, é muito mais uma questão de estilo, do que de conteúdo, mantendo-se o propósito inalterado.
Enceta, desta feita, a rubrica Sociedade (note-se, portuguesa), que será com assiduidade tomada e retomada, forjada na inquietação de quem penosamente a vê trucidada de membros fulcrais, como o são a responsabilidade, o mérito e a franqueza. Este tríplice, que compõe o corpo societário tem, aqui, como seu primeiro pilar sustentador… A Responsabilidade, filha de todos, a órfã que ninguém quer. Ladeando-a… O Mérito, parente pobre da nossa democracia, que na penúria se desvanece e pela ébria fobia das elites perece. “Last, but not least”A Franqueza, tão precisa para a colectividade (dado que constituída por uma miríade de indivíduos) como a água, todavia (e sem rodeios!) preterida pela bajulação, fecunda em penúria intelectual, embriagada em arrogância.  

A Responsabilidade: filha de todos, a órfã que ninguém quer.

Por quantas vezes terá cada um de nós, numa e noutra situação, procurando vividamente uma fonte de escape onde despejar a responsabilidade mediante erro por nós cometido?
Acontecerá, as vezes bastantes, que enquanto interna e inconscientemente (involuntariamente) admitimos que errámos, em simultâneo, interna, externa e conscientemente (voluntariamente) afastamos a responsabilidade, fruto do erro que brota de uma nossa acção.
Tendencialmente, será assim para alguns. Muitos ou poucos? Não me cabe aferir (sendo que na melhor das hipóteses, quedaria pelo execrável “atirar para o ar”). Não obstante, poucas dúvidas subsistem quanto à constância desta actuação, que fora qualquer número possivelmente aferido, tenderá para proporções que se crêem excedentárias.

Bom, indago agora… mas afinal, quais as consequências deste comportamento?

Importa destacar em primeira mão, as que apuro serem as mazelas do cerne individual. A assunção das responsabilidades que nos são imputáveis é algo que deve ser incutido, promovido e aplaudido a todo o sujeito, desde a mais tenra idade, satisfazendo uma saudável estruturação pedagógica, colocando mais um tijolo no que será o albergue de um futuro e recto cidadão.
Ora, a responsabilidade global por um erro que eu cometa, poderá ser para outros partilhada e relegada tendo em conta os múltiplos factores que potencialmente me induziram a perfazê-lo, tornando a minha acção de certo modo, parcialmente justificada. Na mesma linha direi, a escolha que eu faço, mostrando-se mais tarde errónea a meus olhos, será passível de ser apontada para culpa de outrem, porventura que omitiu, mentiu, enfim, aliciou a agir desse modo. Porém, tudo isto se minora cabalmente, sabendo inclusive, que muito felizmente, somos todos “donos da nossa vontade”, libertos de peias que entorpecerem o nosso motor de interesses, o que nos torna, em última instância, os alvos singulares de responsabilidade por equívocos próprios!
A comensurável percentagem de culpa nada importa, pois o que releva em último termo, para efeitos estruturais da personalidade, será o quanto de positivo podemos “espremer” daquela actuação errática. Quantos frutos há a colher após fertilizar o terreno antes inóspito? Dependerá certamente da forma como encaramos o erro. Nessa mesma senda, ao “limparmos as mãos” da responsabilidade que nos pertence podaremos pela raiz o que pode ser uma boa colheita e, sem margem para dúvidas, incorreremos num apadrinhamento de erros potencialmente corrosivos e limitativos para aquela que é a proeminente formação dos agentes (esperemos, positivamente) activos no seio da comunidade. Mais relevante ainda: os erros, ao desencadear consequências de vária índole, são imputáveis a quem os cometeu, emergindo em linha de conta a responsabilidade, que irá, por seu turno, conformar as fronteiras da acção do indivíduo culposo, coagindo-o a rectificar o proceder naquele específico aspecto em circunstâncias semelhantes futuras. De que serve então fugir, ignorar e despejar em outrem a responsabilidade? Apenas vedaremos os próprios olhos, tolhidos de verem a verdade, amarrando as nossas mãos, impossibilitadas de alcançar os frutos ao erro atinentes. Um verdadeiro Homem não olha a meios de se despir de responsabilidades, ele assume-as, adopta-as com coragem e de peito erguido. Só deste modo ele se tornará melhor, talhado para a vida que cada vez mais exige, paulatinamente e na medida em que avança, responsabilidades acrescidas.  
Afinal sem a (crucial auto-)atribuição de responsabilidades como poderemos nós distinguir os sujeitos merecedores de reconhecido mérito daqueles que se perfilam ociosamente vãos? Os bondosos dos perniciosos? Os produtivos dos infrutíferos?



Nesta nota avanço para a segunda plataforma de destaque de consequências desta renegação geral de responsabilidade… a nível da colectividade - da sociedade portuguesa em geral e dos líderes políticos em particular.
Pois bem, uma consequência óbvia e irrenunciável à sobredita tendência será a de que, a nível da cúpula (das podres elites), responsabilidade seja algo inaudito, bem assim, inimputável! Como a barra de exigência a ser suportada pela classe política, em democracia, será tanto mais leve, quanto menor for o comportamento auto-desresponsabilizador e laxista do povo que a elege, corresponder-lhe-á na exacta medida a espada de responsabilização. Espelha, portanto, aquela, este nosso comportamento colectivo. É aqui que encontramos o sufocante nó deste defeito: Ao não serem exigidas e auto-impostas responsabilidades no mais mundano dos comportamentos de cada cidadão, naturaliza-se o procedimento, banalmente o transformando num padrão aceite e facilmente transportado para um plano político, extraindo daqueles que nos representam, que tudo dizem fazer e que pouco constroem o “pesado” fardo de prestar contas, a não ser a benevolente (ou será inexistente?) “responsabilização nas urnas”. Aqui nos situamos. Quedamos na confusão… promovendo cobardes e ineptos a heróis e figuras de destaque.

Carlos M. G. Martins
 17/12/2010


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